Satélites que “se aposentaram” e agora orbitam como lixo espacial

Assim como qualquer tecnologia, eles têm um prazo de validade. Depois de alguns anos — ou décadas —, muitos deixam de funcionar. E, em vez de voltarem para casa ou serem “desligados” de forma segura, permanecem lá em cima, orbitando o planeta como verdadeiros aposentados… que nunca desocupam o espaço.
Esse fenômeno é conhecido como lixo espacial (space debris), e ele está crescendo rapidamente. Atualmente, a órbita da Terra abriga milhares de satélites ativos e outros milhares de inativos, além de pedaços de foguetes, ferramentas perdidas e fragmentos de colisões. Tudo isso viaja a velocidades altíssimas, representando risco para novas missões.
O ciclo de vida de um satélite
Um satélite não é eterno. Sua vida útil depende de vários fatores:
-
Combustível: satélites precisam de combustível para corrigir sua órbita e manter o posicionamento. Quando ele acaba, o controle se perde.
-
Componentes eletrônicos: radiação espacial, variações de temperatura e desgaste mecânico danificam sistemas com o tempo.
-
Tecnologia obsoleta: mesmo funcionando, um satélite antigo pode não atender mais às necessidades atuais.
Quando chega ao “fim da vida”, há dois destinos possíveis:
-
Reentrada controlada na atmosfera (onde se desintegra quase totalmente).
-
Mudança para uma “órbita cemitério”, afastada da área de tráfego principal.
Infelizmente, nem todos recebem esse tratamento. Muitos ficam à deriva, transformando-se em lixo espacial.
O que é lixo espacial?
Lixo espacial inclui:
-
Satélites inativos.
-
Fragmentos de satélites destruídos.
-
Estágios de foguetes deixados em órbita.
-
Ferramentas ou peças perdidas em missões.
-
Partículas minúsculas de tinta, isolantes e outros materiais.
Mesmo objetos de poucos milímetros podem causar danos severos, pois se deslocam a velocidades de até 28 mil km/h.
Segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), existem:
-
Mais de 36 mil objetos maiores que 10 cm.
-
Cerca de 1 milhão de objetos entre 1 cm e 10 cm.
-
Mais de 130 milhões de fragmentos menores que 1 cm.
Exemplos famosos de satélites “aposentados”
Alguns satélites são conhecidos justamente porque ficaram lá em cima após o fim da missão.
Vanguard 1
-
Lançado em 1958 pelos EUA, é o satélite mais antigo ainda em órbita.
-
Funcionou por apenas seis anos, mas continua circulando a mais de 650 km de altitude.
-
Estima-se que ficará no espaço por outros 200 anos antes de reentrar.
Envisat
-
Lançado pela ESA em 2002 para observação da Terra.
-
Parou de responder em 2012, com 8 toneladas de massa.
-
É um dos maiores objetos não controlados na órbita terrestre baixa.
Telstar 401
-
Satélite de telecomunicações lançado em 1993.
-
Sofreu uma pane em 1997, possivelmente por tempestade solar, e ficou inativo.
-
Continua orbitando sem controle, cruzando rotas de satélites ativos.
Como eles se tornam perigosos
Satélites aposentados não ficam parados. Eles continuam orbitando em alta velocidade e podem:
-
Colidir com outros satélites ativos.
-
Quebrar-se em pedaços, multiplicando o número de detritos.
-
Criar reações em cadeia, como o cenário descrito pelo Síndrome de Kessler — quando uma colisão gera mais detritos, que causam novas colisões, até que a órbita baixa da Terra se torne inutilizável.
O tamanho do problema
O aumento de lançamentos comerciais e constelações de satélites (como o Starlink, da SpaceX) acelera a saturação da órbita.
Em 2023, havia cerca de 7.500 satélites ativos e mais de 3.000 inativos registrados oficialmente. E isso sem contar os fragmentos pequenos não rastreados.
Um exemplo alarmante ocorreu em 2009, quando um satélite de comunicações inativo (Cosmos 2251, russo) colidiu com um satélite ativo da Iridium, gerando mais de 2 mil fragmentos rastreáveis.
Por que nem todos são “aposentados com dignidade”
A remoção segura de um satélite exige planejamento e combustível restante para manobras finais. Em alguns casos, isso não é possível por:
-
Falhas inesperadas que impedem o controle remoto.
-
Falta de protocolos obrigatórios na época do lançamento (principalmente satélites mais antigos).
-
Custos elevados de operação e desativação.
Tentativas de solução
O problema do lixo espacial é global e várias iniciativas estão sendo desenvolvidas:
a) Órbita cemitério
Satélites em órbita geoestacionária (a 36 mil km da Terra) são enviados para uma órbita cerca de 300 km mais distante, reduzindo o risco de colisões.
b) Reentrada controlada
Para satélites em órbita baixa, é possível direcioná-los para reentrar na atmosfera e queimar.
c) Coleta ativa de detritos
Projetos como:
-
RemoveDEBRIS: capturou objetos com rede e arpão em testes.
-
ClearSpace-1: missão europeia prevista para 2026, que “abraçará” um pedaço de lixo e o trará para reentrada.
d) Desenho sustentável
Novos satélites são projetados para desintegrar-se mais facilmente e com mecanismos automáticos de desorbitação.
O que acontece com um satélite aposentado lá em cima
Quando o controle é perdido, o satélite fica girando lentamente, exposto à radiação solar e ao frio extremo do espaço. Com o tempo:
-
Painéis solares quebram.
-
Partes metálicas se deformam com a variação de temperatura.
-
Micrometeoritos e pequenos detritos causam perfurações.
Ele se torna apenas mais um ponto metálico cruzando o céu, invisível a olho nu na maior parte do tempo, mas detectável por radares especializados.
Riscos para a Terra
A maioria dos satélites aposentados que reentra na atmosfera se desintegra antes de atingir o solo. Mas objetos maiores ou com componentes resistentes (como titânio) podem sobreviver parcialmente à queda.
Embora a chance de atingir pessoas seja mínima, já houve casos de fragmentos encontrados em áreas remotas. Em 2022, destroços de um foguete da SpaceX foram achados em fazendas na Austrália.
O futuro: aposentadoria mais responsável
Com o aumento das missões espaciais privadas e governamentais, cresce também a pressão para criar leis e acordos internacionais que obriguem operadores a remover ou desorbitar satélites após o fim da missão.
Algumas propostas incluem:
-
Taxas para quem deixar lixo no espaço.
-
“Seguros orbitais” que financiem a remoção.
-
Cooperação entre países para monitoramento constante.
O objetivo é garantir que o espaço próximo à Terra continue seguro para satélites meteorológicos, GPS, comunicações e futuras missões tripuladas.