A guerra das frequências: como o espectro de rádio é disputado


A guerra das frequências: como o espectro de rádio é disputado

O espectro de rádio é um dos recursos mais valiosos e disputados da era moderna. Invisível e intangível, ele é fundamental para a comunicação sem fio - desde a transmissão de rádio e TV até redes Wi-Fi, telefonia móvel, sistemas de navegação e tecnologias emergentes como a Internet das Coisas (IoT) e carros autônomos. No entanto, por ser um recurso limitado, seu uso se tornou campo de intensas disputas, políticas, econômicas e tecnológicas, tanto entre países quanto entre empresas.

O que é o espectro de rádio?

O espectro de rádio é a faixa de frequências do espectro eletromagnético que vai de cerca de 3 kHz a 300 GHz. Essas ondas são usadas para transmitir sinais de áudio, vídeo e dados de forma sem fio. Diferentes faixas (ou bandas) de frequência possuem características distintas, como alcance, capacidade de dados e penetração em obstáculos. Por isso, a escolha da frequência ideal para cada serviço é estratégica.

Por exemplo, ondas de frequência baixa (como AM e FM) têm longo alcance, mas transmitem menos dados. Já frequências mais altas, como as usadas em Wi-Fi ou 5G, têm alta capacidade de dados, mas menor alcance e penetração.

Um recurso escasso e regulado

Como o espectro de rádio é limitado e a demanda por ele só cresce, seu uso é rigidamente regulado por órgãos nacionais e internacionais. A União Internacional de Telecomunicações (UIT), uma agência da ONU, é responsável por coordenar o uso global do espectro e evitar interferências entre países.

Cada país, por sua vez, possui sua própria agência reguladora. No Brasil, essa função é da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Esses órgãos decidem quais faixas serão destinadas a quais serviços — como rádio, TV, internet móvel, uso militar ou científico — e quem poderá explorá-las comercialmente.

O leilão do espectro: milhões (ou bilhões) em jogo

Devido ao seu valor estratégico, o espectro é frequentemente concedido a empresas por meio de leilões públicos. As operadoras de telecomunicações, por exemplo, precisam adquirir licenças para utilizar certas faixas e oferecer serviços como 4G e 5G.

Esses leilões movimentam cifras bilionárias. Em 2021, por exemplo, o leilão do 5G no Brasil arrecadou mais de R$ 47 bilhões. As empresas disputam ferozmente as faixas que melhor se adequam aos seus objetivos comerciais. Quanto maior a faixa e melhor sua cobertura, mais cara ela tende a ser.

Disputa entre tecnologias

Além da briga entre empresas, há também disputas entre diferentes setores da economia. Um exemplo clássico foi a disputa entre o setor de radiodifusão (TV e rádio) e a telefonia móvel. Muitas faixas de frequência utilizadas pela TV aberta foram, aos poucos, sendo remanejadas para dar espaço ao 4G e, agora, ao 5G.

Isso gerou conflitos: as emissoras temiam interferências nos sinais de TV, enquanto as operadoras exigiam acesso a mais espectro para atender à explosão de dados móveis. A solução foi a adoção da TV digital e a migração de canais para outras faixas, liberando espaço no espectro para a internet móvel.

Outro exemplo é a crescente disputa por espectro entre operadoras de telecomunicações e empresas de satélite, especialmente com o avanço de projetos como o Starlink, que oferece internet via satélite em áreas remotas.

Geopolítica e militarização

A guerra das frequências não se limita à esfera comercial. O espectro também é um recurso estratégico de segurança nacional. Forças armadas utilizam frequências específicas para comunicação, navegação, radares e sistemas de armamento. Isso cria tensões geopolíticas.

A implementação do 5G, por exemplo, foi marcada por conflitos entre Estados Unidos e China. O governo americano alegou que equipamentos da Huawei, empresa chinesa líder em infraestrutura 5G, poderiam representar riscos de espionagem, e pressionou outros países a não adotarem a tecnologia chinesa. Por trás dessa disputa estava o controle de uma infraestrutura crítica que depende diretamente do espectro.

A nova fronteira: IoT, carros autônomos e além

Com a chegada da Internet das Coisas, cada vez mais dispositivos estão se conectando à rede: geladeiras, lâmpadas, câmeras, sensores industriais, carros, drones. Todos esses equipamentos dependem de uma comunicação sem fio eficiente — ou seja, de frequências no espectro.

Os carros autônomos, por exemplo, exigem transmissão em tempo real de dados de sensores e de comunicação entre veículos (V2V) e com a infraestrutura (V2I). Isso exige faixas exclusivas e altamente confiáveis, o que acirra ainda mais a competição pelo espectro.

Da mesma forma, drones e dispositivos industriais precisam de frequências dedicadas para operar com segurança e precisão.

Espectro livre vs. licenciado

Outro debate importante é o uso de faixas de espectro livres (ou não licenciadas), como a de 2,4 GHz e 5 GHz usadas em redes Wi-Fi. Qualquer pessoa pode utilizá-las, desde que respeite os limites de potência e interferência. Isso democratizou o acesso à conectividade, mas também gerou congestionamento e ruído nessas faixas.

Por outro lado, o espectro licenciado, controlado por leilões, garante exclusividade e maior qualidade de serviço, sendo essencial para redes móveis e serviços críticos. Encontrar o equilíbrio entre espectro livre e licenciado é um desafio constante para os reguladores.

Soluções tecnológicas para o congestionamento

À medida que a demanda por espectro aumenta, novas soluções tecnológicas são desenvolvidas para otimizar seu uso. Uma delas é o uso dinâmico do espectro, que permite o compartilhamento inteligente de faixas entre diferentes serviços, usando inteligência artificial e sensores para evitar interferências.

Outra tendência é o uso de ondas milimétricas (mmWave), faixas de altíssima frequência (acima de 24 GHz), com capacidade de transmitir dados em altíssima velocidade, embora com alcance menor. Elas são promissoras para aplicações urbanas, como o 5G em áreas densas.

O futuro da guerra das frequências

À medida que novas tecnologias surgem, a guerra das frequências tende a se intensificar. O espectro continuará sendo um recurso crítico, tanto para o avanço econômico quanto para a segurança nacional.

A regulamentação, a inovação tecnológica e o equilíbrio entre interesses públicos e privados serão essenciais para garantir que esse recurso finito seja utilizado de forma justa, eficiente e segura.

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